quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Cap. 8 – A Preservação do Self: A identificação de armadilhas, arapucas e iscas envenenadas


Cap. 8 – A Preservação do Self: A identificação de armadilhas, arapucas e iscas envenenadas

A mulher braba

“Segundo o Oxford English Dictionary, a palavra feral, em inglês, deriva do latim fer... que significa “animal selvagem”. No emprego mais comum da palavra, um animal “brabo” é aquele que um dia foi selvagem, foi depois domesticado e voltou ao estado natural ou indomado.
A mulher braba é aquela que um dia viveu num estado psíquico natural – ou seja, em perfeito estado mental selvagem – e que depois se tornou cativa de alguma reviravolta dos acontecimentos, passando, assim, a ser excessivamente domesticada e amortecida nos seus instintos próprios. Quando essa mulher tem a oportunidade de voltar à sua natureza selvagem original, quase sempre ela é vitima de todos os tipos de armadilhas e venenos. Como seus ciclos e seus sistemas de proteção foram manipulados, ela corre riscos naquele que costumava ser seu estado selvagem natural. Já não mais alerta e desconfiada, ela se torna presa fácil.”
“As mulheres brabas de todas as idades, e especialmente as jovens, têm uma enorme vontade de compensar períodos de fome e de isolamento. Elas se arriscam quando fazem esforços excessivos e irracionais para se aproximar de pessoas e objetivos que não são benéficos, concretos ou duradouros. Não importa onde ou em que época elas vivam, há sempre arapucas à sua espera. Há sempre vidas menores para onde as mulheres se veem forçadas ou atraídas.”

“Temos de voltar a desenvolver o insight e a prudência. Temos de aprender a nos desviar. Para poder distinguir as opções corretas, temos de poder ver as erradas.”

“Olhem para seus sapatos e agradeçam por eles serem sem graça... porque é preciso que se viva com muito cuidado quando os sapatos são vermelhos demais.”

“A verdade psicológica na historia dos sapatinhos vermelhos é a de que a vida expressiva da mulher pode ser sondada, ameaçada, roubada ou seduzida a não ser que ela se mantenha fiel à sua alegria básica e ao seu valor selvagem, ou que os resgate. A historia chama a nossa atenção para armadilhas e venenos com os quais nos envolvemos com excessiva facilidade quando estamos sem a proteção da alma selvagem. Sem uma firme participação da natureza selvagem, a mulher definha e cai numa obsessão pelo que a faça se sentir melhor, pelo que a deixe em paz e por qualquer um que a ame, pelo amor de Deus”.

“A perda dos sapatos vermelhos feitos à mão representa a perda da vitalidade passional e da vida que a própria mulher projetou para si, aliadas à adoção de uma vida domesticada em excesso. Isso acaba levando à perda da percepção aguçada, que induz aos excessos, à perda do pé, a plataforma sobre a qual pousamos, nossa base, um aspecto profundo da nossa natureza instintual que sustenta a nossa liberdade.
[...]Os sapatinhos feitos à mão são símbolos da sua ascensão de uma existência psíquica insignificante para uma vida emotiva projetada por ela mesma. Seus sapatos representam um passo enorme e literal no sentido da integração de sua engenhosa natureza feminina na rotina do seu dia-a-dia. Não importa que sua vida seja imperfeita. Ela tem sua alegria. Ela irá evoluir.
[...]A vida e sacrifício andam juntos. O vermelho é a cor da vida e do sacrifício. Para levar uma vida vibrante, precisamos fazer sacrifícios de diversos tipos.”

“Apesar dos contos de fadas acabarem ao final de dez páginas, nossas vidas não acabam junto. Nós somos coleções de muitos volumes. Na nossa vida, mesmo que um episodio represente um desastre total, sempre há um outro episodio à nossa espera e depois mais outro. Há sempre outras oportunidades para acertar, para moldar nossa vida do jeito que merecemos que ela seja. Não percam tempo amaldiçoando alguma derrota. O fracasso é um mestre mais eficaz do que o sucesso. Ouçam, aprendam, insistam. É isso que estamos fazendo com essa historia.”

“A mulher braba é aquela que está tentando voltar. Ela está aprendendo a acordar, a prestar atenção, a parar de ser ingênua, desinformada. Ela apanha da vida nas próprias mãos. Para reaprender os instintos femininos profundos, é essencial, para começar, que se veja como eles foram destituídos”.

“Se você quiser reconvocar sua Mulher Selvagem, recuse-se a ficar no cativeiro. Com os instintos aguçados para ter equilíbrio, salve para onde bem entender, uive à vontade, apanhe o que estiver à mão, descubra tudo o que puder, deixe que seus olhos revelem seus sentimentos, examine tudo, veja o que puder ver. Dance usando sapatos vermelhos, mas certifique-se de que eles sejam os que você mesma fez à mão. Você será uma mulher cheia de vida”.*

História: Os Sapatinhos vermelhos


A história fala sobre um pobre órfã que não tinha sapatos. Ela guardava trapos e com o tempo conseguiu costurar um par de sapatos vermelhos. Ela adorava-os.
Um dia, quando estava caminhando, uma carruagem dourada parou ao seu lado e de lá saiu uma senhora de idade que disse que iria leva-la para sua casa e iria trata-la como sua filha.
Lá ela recebeu roupas, fez o cabelo e ganhou sapatos. Quando a menina perguntou sobre seus sapatos feitos a mão, a senhora disse que eles eram tão ridículos que ela os jogara no fogo. A menina ficou muito triste.
Ela também foi obrigada a ficar sentada o tempo todo, não saltitar e não falar, a não ser que falassem com ela.
Um dia a menina com idade suficiente para ser crismada, a senhora levou-a num sapateiro aleijado para que fizesse um par de sapatos especiais para a ocasião. Na vitrine tinha um par de sapatos vermelhos de couro. Era um escândalo e não podia usar na igreja. Como a senhora pouco enxergava, a menina conseguiu levar o par com a ajuda do sapateiro. No dia seguinte todos a reprovaram, olhavam carrancudos. Mesmo assim a menina continua a admirar seus sapatos novos que brilham. Na saída até um soldado elogiou seu par de sapatos. E com o elogio fez a menina rodopiar. Seus pés começaram a se movimentar sem ela querer, ela não conseguia parar. A velha senhora tentou segurá-la e entraram na carruagem. Em casa, a velha arrancou os sapatos e colocou no alto de uma prateleira e avisou a menina para nunca mais calça-lo. No entanto, a menina não conseguia deixar de olhar para eles e ansiar por eles.
Um tempo depois a velha ficou doente e assim que o medico veio, a menina entrou no quarto contemplou os sapatos e os calçou, na crença de que eles não lhe fariam mal algum. Só que no instante em que eles tocaram seus calcanhares e seus dedos, ela foi dominada pelo impulso de dançar. E saiu dançando! Porém teve um momento em que a menina quis dançar para a esquerda, os sapatos queriam ir para direita. Quando queria dançar em círculos eles iam em linha reta. Os sapatos comandavam a menina e fizeram-na ir até uma floresta sombria. Lá um velho elogiou seus sapatos, e na hora ela tentou tirar, puxando, mas não conseguiu. Eles continuavam comandando e dançando como queriam. Ela dançava sem parar. Era terrível, ela não tinha descanso.
Ela entrou em uma igreja e um espírito guardião disse: - Você irá dançar com esses sapatos vermelhos até que fique como uma alma penada, como um fantasma, até que sua pele pareça suspensa dos ossos, até que não sobre nada de você a não ser entranhas dançando. Você irá dançar de porta em porta por todas as aldeias e baterá três vezes a cada porta. E, quando as pessoas espiarem quem é, verão que é você e temerão que seu destino se abata sobre elas. Dancem sapatos vermelhos. Vocês devem dançar.
A menina implorou misericórdia, mas os sapatos a levaram embora. Ela dançou por todos os lugares. Quando voltou a sua casa a velha senhora estava morta, mesmo assim ela seguiu dançando. Foi até uma floresta onde implorou a um carrasco que lhe cortasse fora os sapatos. Ele cortou fora as tiras com o machado mas os sapatos não soltaram dos pés. Ela lamentou e disse que a vida não valia nada mesmo e que ele deveria amputar-lhe os pés e foi o que ele fez. Com isso, os sapatos vermelhos com os pés neles continuaram dançando floresta afora e morro acima ate desaparecerem. A menina era, agora, uma pobre aleijada e teve de descobrir um jeito de sobreviver no mundo trabalhando como criada. E nunca mais ansiou por sapatos vermelhos.*

Reflexões:

Reflita sobre seus instintos e sobre a Mulher Braba.
O que te seduz? O que te leva para o caminho mais fácil e a entrar na carruagem dourada?
Como você pode utilizar a força senex (sabedoria, conhecimento, orientação, experiência) para desviar dos perigos e arapucas?
 Você precisa ser aceita dentro dos valores da sociedade (principalmente comportamentos, rótulos)? Você se sente influenciada com opiniões e reprime as necessidades da sua alma? Por quê?
Qual é a sua relação com a fertilidade? Como você cria a sua própria vida? (o fogo que cria X o fogo que dizima)
O que te dá impulso para agir, se mexer?
Você possui uma vida fragmentada, no sentido de manter sua alma selvagem de forma secreta/oculta/escondida? Como libertar? Como trazer a luz?
Reflita sobre o processo de construção do seu sapatinho vermelho feito a mão e o encontro com a sua matilha.

Com carinho,
Ana K.


*Textos retirados do livro: Mulheres que Correm com os Lobos - Clarissa Pinkola Estes.
Reflexões por: Ana Karina Lunelli

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